terça-feira, 30 de abril de 2013

Sem culpa.

       - Cadê os povo?
       - Os povo foi pescar, Daniel. Você já sabe disso.
       - E eu?
       - Você ficou.
       - Isso eu sei, né, Bruna, mas e eu?
       - Uai, você ficou, Dani. Ficou comigo e com a mamãe.
       - Nãããããããããããão, Bruna, não é isso... E eu?
       - Uai, Dani, não estou entendendo. O que você quer saber?
       - Quero saber de mim, Bruna, você não ouviu?
       - Ouvi, Dani, mas não entendi o que você quer que eu responda.
       - Ai ai, Bruna... Os povo foi pescar, né?
       - Né.
       - E eu?
       - E você ficou?
       - Isso... Fiquei.
       - Tá, e aí?
       - O que Bruna?
       - O que tem você ter ficado?
       - Fiquei e não fui pescar, né?
       - Isso.
       - Então não tenho culpa disso.
       - Não tem culpa disso... Disso o que, menino?
       - De quando o meu pai voltar ficar bravo.
       - Bravo por que?
       - Porque nada...
       - Como assim nada? O que o senhor fez?
       - Nada de mais, Bruna.
       - Tá. Nada de mais... Mas o que foi?
       -  Os povo foi pescar, eu fiquei e a mamãe está na Mimos.
       - Isso mesmo.
       - Então não tenho culpa.
       - Culpa de que?
       - Não tenho culpa, Bruna...
       - Tudo bem, não tem culpa de que?
       - De nada, porque eu não tenho...
       - Tá bom, entendi. Qual culpa não é sua, Dani?
       - A culpa de tirar a roupa suja desse balde aqui, ó, e encher ele com todas as besteirinhas que eu roubei da geladeira e da despensa quando você estava tomando banho. Só falta eu achar o pote de dinheiros para a verdura que a Ana escondeu e a gente compra suco de latinha e come vendo a Morena!

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Aniversário parte dois - a câmera

       Daniel ganhou presentes muito legais. Eu e o Vítor demos uma câmera fotográfica para ele. É uma câmera de verdade, porém para crianças. Emborrachada, protegida, resistente e forte. Bem forte. É assim que deve ser. Daniel adora fotografar! A tal câmera é a imagem que mais temos visto ultimamente. Não há uma só situação que ele não queira registrar. Mal dá tempo de abrirmos os olhos e lá está ele, fotografando novamente! Isso me lembra uma vez que eu morri de rir com o Daniel por causa de uma câmera.
       Estávamos no rancho, já no dia de voltar para casa, arrumando as coisas em caixas e limpando tudo. Dani estava passeando por todo o local e registrando cada coisa bonita que encontrava pelo caminho. É muito interessante ver as fotos que ele tira, porque é como ter uma visão de como ele enxerga o mundo. Ele clica todo o tempo, então podemos facilmente saber qual o seu trajeto e quais os pontos para os quais olhou enquanto andava. Mas, nesse dia, ele voltou com a roupa toda suja de terra.
       - Daniel, você caiu?
       - Caí não, Bruna...
       - E essa roupa suja, Dan? Deixa eu levantar o short e ver seu joelho.
       - Não, eu não caí, Bruna. Só estou passeando. 
       - Tudo bem, mas deixe eu ver essa perna aqui.
       - Não. Vou ali ajudar a tia Neuza com a comida. 
       E deixou a câmera em cima das caixas. Eu e o Vítor a pegamos e começamos a ver as fotos. Era inacreditável. O céu, várias flores, a cerca, as pedras, o carro, a porta, a mão na maçaneta, a porta aberta, eu e o Vítor guardando as comidas na caixa, nossas cabeças, a porta, a porta sendo fechada, a maçaneta, o chão, o chão, o chão, a tia Neuza, a panela, a comida, a tia Neuza de novo, a cerca, o chão, o chão, o chão, a árvore, o céu, o céu, o céu, o céu, de repente um borrão, uma poça de lama bem de perto, as pernas esticadas no chão, os pés sujos de barro, o dedão do pé ralado, a canela suja, o joelho com o short em cima, as mãos puxando o short, o joelho todo ralado, a coxa ralada com o short pela metade, o short sendo puxado um pouco mais, a coxa esfolada até lá em cima, a poça de lama, a mão no chão fazendo força, a cerca, a árvore, o carro, a porta, a mão na maçaneta, a porta aberta, eu e o Vítor guardando as comidas na caixa... 
       Peguei a câmera e fui até ele. 
       - Daniel, você caiu?
       - Caí não.
       - Caiu que eu sei, Dani. Deixa eu ver. 
       - Não caí, Bruna!
       - Dani, deixa eu te mostrar essas fotos aqui.
       - Ixi, Bruna. Teve jeito não. Você me descobriu, ein?
       - Descobri, Daniel, você caiu feio.
       - É verdade, eu caí tirando foto, mas você viu? Eu sou frotrógafo!


quinta-feira, 11 de abril de 2013

Aniversário parte um - o bolo e o Chiquinho.

       Daniel fez aniversário no dia trinta e, como foi feriado na sexta anterior, estávamos no rancho. Para quem não sabe, o rancho é o lugar onde acampamos onze de dez feriados existentes. Estávamos no rancho e, como toda boa criança, Daniel queria festa de aniversário com "risólio" e coxinha. Eu o convenci de que não era possível fazer "risólio" ou coxinha com os poucos recursos oferecidos pela Serra da Mesa e ele aceitou a situação quando eu lhe disse que faria bolo sabor prestígio e cachorro quente com molho feito no liquidificador. Daniel só gosta de cachorro quente com molho batido no liquidificador, ele diz que é mais lisinho. 
       Passei a tarde fazendo aquele negócio enquanto todos pescavam no lago. Uma trabalheira danada. No final da tarde, o Dani veio correndo, deu-me um abraço mais do que delicioso como quem sentiu saudades a tarde inteira, olhou para mim e disse "E aí, meu bolo está pronto?". Estava, né, claro que estava. Mas custava dar um beijinho e dizer só "Eu te amo! Senti sua falta... Agora me diga cadê o meu bolo?". 
       Ele me contou sobre a pescaria, contou sobre os peixes que não pegou, sobre o sol, sobre o Vítor ser o campeão de pesca, sobre o Chiquinho (peixinho do tamanho de uma unha que ele ganhou do Vítor após o coitado ter enroscado-se na camisa dele), sobre minha mãe só pegar tocos, sobre meu pai ser bom pescador e, no intervalo de uma coisa e outra, ele sempre dava um jeito de encaixar o bendito do bolo no assunto. 
       - Meu pai pesca muito! Vai ser bom comer os peixes que ele e o Vítor pegaram, né, Bruna?
       - Né, Daniel, agora levanta o braço para lavar esse sovaco aí!
       - Mas quando come tem que ter sobremesa, né, Bruna?
       - Né, Dani, agora o outro braço. 
       - E a sobremesa pode ser meu bolo, né, Bruna? Onde ele está mesmo?
      Depois de incontáveis escapadas no assunto para falar do bolo, ele finalmente viu o bolo. Adorou! Arrumei a mesa com o bolo, os pratos, copos, sucos,  refrigerantes, cachorro-quente, pães, milho e ervilha, Eduardo, Michele, Chiquinho, guardanapos e uma caixa de chocolates. Tudo junto mesmo. Cantamos parabéns e fomos, finalmente, comer o bolo. 
       Daniel adorou, comeu vários pedaços e falou inúmeras vezes que estava muito gostoso. Antes de dormir, já dentro da barraca, porém, ele me disse:
     - Ô, Bruna.
     - Oi, Dani.
     - O bolo estava muito gostoso.
     - Que bom que gostou, fiz com carinho.
     - Obrigado.
     - De nada.
     - Mas ô, Bruna...
     - Que, Dani?
     - Você não colocou vela. Bolo de aniversário precisa ter vela. Sem vela, não é bolo de aniversário. Você vai ter que fazer outro amanhã para mim.