- Cadê os povo?
- Os povo foi pescar, Daniel. Você já sabe disso.
- E eu?
- Você ficou.
- Isso eu sei, né, Bruna, mas e eu?
- Uai, você ficou, Dani. Ficou comigo e com a mamãe.
- Nãããããããããããão, Bruna, não é isso... E eu?
- Uai, Dani, não estou entendendo. O que você quer saber?
- Quero saber de mim, Bruna, você não ouviu?
- Ouvi, Dani, mas não entendi o que você quer que eu responda.
- Ai ai, Bruna... Os povo foi pescar, né?
- Né.
- E eu?
- E você ficou?
- Isso... Fiquei.
- Tá, e aí?
- O que Bruna?
- O que tem você ter ficado?
- Fiquei e não fui pescar, né?
- Isso.
- Então não tenho culpa disso.
- Não tem culpa disso... Disso o que, menino?
- De quando o meu pai voltar ficar bravo.
- Bravo por que?
- Porque nada...
- Como assim nada? O que o senhor fez?
- Nada de mais, Bruna.
- Tá. Nada de mais... Mas o que foi?
- Os povo foi pescar, eu fiquei e a mamãe está na Mimos.
- Isso mesmo.
- Então não tenho culpa.
- Culpa de que?
- Não tenho culpa, Bruna...
- Tudo bem, não tem culpa de que?
- De nada, porque eu não tenho...
- Tá bom, entendi. Qual culpa não é sua, Dani?
- A culpa de tirar a roupa suja desse balde aqui, ó, e encher ele com todas as besteirinhas que eu roubei da geladeira e da despensa quando você estava tomando banho. Só falta eu achar o pote de dinheiros para a verdura que a Ana escondeu e a gente compra suco de latinha e come vendo a Morena!
terça-feira, 30 de abril de 2013
sexta-feira, 12 de abril de 2013
Aniversário parte dois - a câmera
Daniel ganhou presentes muito legais. Eu e o Vítor demos uma câmera fotográfica para ele. É uma câmera de verdade, porém para crianças. Emborrachada, protegida, resistente e forte. Bem forte. É assim que deve ser. Daniel adora fotografar! A tal câmera é a imagem que mais temos visto ultimamente. Não há uma só situação que ele não queira registrar. Mal dá tempo de abrirmos os olhos e lá está ele, fotografando novamente! Isso me lembra uma vez que eu morri de rir com o Daniel por causa de uma câmera.
Estávamos no rancho, já no dia de voltar para casa, arrumando as coisas em caixas e limpando tudo. Dani estava passeando por todo o local e registrando cada coisa bonita que encontrava pelo caminho. É muito interessante ver as fotos que ele tira, porque é como ter uma visão de como ele enxerga o mundo. Ele clica todo o tempo, então podemos facilmente saber qual o seu trajeto e quais os pontos para os quais olhou enquanto andava. Mas, nesse dia, ele voltou com a roupa toda suja de terra.
- Daniel, você caiu?
- Caí não, Bruna...
- E essa roupa suja, Dan? Deixa eu levantar o short e ver seu joelho.
- Não, eu não caí, Bruna. Só estou passeando.
- Tudo bem, mas deixe eu ver essa perna aqui.
- Não. Vou ali ajudar a tia Neuza com a comida.
E deixou a câmera em cima das caixas. Eu e o Vítor a pegamos e começamos a ver as fotos. Era inacreditável. O céu, várias flores, a cerca, as pedras, o carro, a porta, a mão na maçaneta, a porta aberta, eu e o Vítor guardando as comidas na caixa, nossas cabeças, a porta, a porta sendo fechada, a maçaneta, o chão, o chão, o chão, a tia Neuza, a panela, a comida, a tia Neuza de novo, a cerca, o chão, o chão, o chão, a árvore, o céu, o céu, o céu, o céu, de repente um borrão, uma poça de lama bem de perto, as pernas esticadas no chão, os pés sujos de barro, o dedão do pé ralado, a canela suja, o joelho com o short em cima, as mãos puxando o short, o joelho todo ralado, a coxa ralada com o short pela metade, o short sendo puxado um pouco mais, a coxa esfolada até lá em cima, a poça de lama, a mão no chão fazendo força, a cerca, a árvore, o carro, a porta, a mão na maçaneta, a porta aberta, eu e o Vítor guardando as comidas na caixa...
Peguei a câmera e fui até ele.
- Daniel, você caiu?
- Caí não.
- Caiu que eu sei, Dani. Deixa eu ver.
- Não caí, Bruna!
- Dani, deixa eu te mostrar essas fotos aqui.
- Ixi, Bruna. Teve jeito não. Você me descobriu, ein?
- Descobri, Daniel, você caiu feio.
- É verdade, eu caí tirando foto, mas você viu? Eu sou frotrógafo!
- Descobri, Daniel, você caiu feio.
- É verdade, eu caí tirando foto, mas você viu? Eu sou frotrógafo!
quinta-feira, 11 de abril de 2013
Aniversário parte um - o bolo e o Chiquinho.
Daniel fez aniversário no dia trinta e, como foi feriado na sexta anterior, estávamos no rancho. Para quem não sabe, o rancho é o lugar onde acampamos onze de dez feriados existentes. Estávamos no rancho e, como toda boa criança, Daniel queria festa de aniversário com "risólio" e coxinha. Eu o convenci de que não era possível fazer "risólio" ou coxinha com os poucos recursos oferecidos pela Serra da Mesa e ele aceitou a situação quando eu lhe disse que faria bolo sabor prestígio e cachorro quente com molho feito no liquidificador. Daniel só gosta de cachorro quente com molho batido no liquidificador, ele diz que é mais lisinho.
Passei a tarde fazendo aquele negócio enquanto todos pescavam no lago. Uma trabalheira danada. No final da tarde, o Dani veio correndo, deu-me um abraço mais do que delicioso como quem sentiu saudades a tarde inteira, olhou para mim e disse "E aí, meu bolo está pronto?". Estava, né, claro que estava. Mas custava dar um beijinho e dizer só "Eu te amo! Senti sua falta... Agora me diga cadê o meu bolo?".
Ele me contou sobre a pescaria, contou sobre os peixes que não pegou, sobre o sol, sobre o Vítor ser o campeão de pesca, sobre o Chiquinho (peixinho do tamanho de uma unha que ele ganhou do Vítor após o coitado ter enroscado-se na camisa dele), sobre minha mãe só pegar tocos, sobre meu pai ser bom pescador e, no intervalo de uma coisa e outra, ele sempre dava um jeito de encaixar o bendito do bolo no assunto.
- Meu pai pesca muito! Vai ser bom comer os peixes que ele e o Vítor pegaram, né, Bruna?
- Né, Daniel, agora levanta o braço para lavar esse sovaco aí!
- Mas quando come tem que ter sobremesa, né, Bruna?
- Né, Dani, agora o outro braço.
- E a sobremesa pode ser meu bolo, né, Bruna? Onde ele está mesmo?
Depois de incontáveis escapadas no assunto para falar do bolo, ele finalmente viu o bolo. Adorou! Arrumei a mesa com o bolo, os pratos, copos, sucos, refrigerantes, cachorro-quente, pães, milho e ervilha, Eduardo, Michele, Chiquinho, guardanapos e uma caixa de chocolates. Tudo junto mesmo. Cantamos parabéns e fomos, finalmente, comer o bolo.
Daniel adorou, comeu vários pedaços e falou inúmeras vezes que estava muito gostoso. Antes de dormir, já dentro da barraca, porém, ele me disse:
- Ô, Bruna.
- Oi, Dani.
- O bolo estava muito gostoso.
- Que bom que gostou, fiz com carinho.
- Obrigado.
- De nada.
- Mas ô, Bruna...
- Que, Dani?
- Você não colocou vela. Bolo de aniversário precisa ter vela. Sem vela, não é bolo de aniversário. Você vai ter que fazer outro amanhã para mim.
- Ô, Bruna.
- Oi, Dani.
- O bolo estava muito gostoso.
- Que bom que gostou, fiz com carinho.
- Obrigado.
- De nada.
- Mas ô, Bruna...
- Que, Dani?
- Você não colocou vela. Bolo de aniversário precisa ter vela. Sem vela, não é bolo de aniversário. Você vai ter que fazer outro amanhã para mim.
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