segunda-feira, 17 de junho de 2013

Ô, MÃE!

       - Mãe, acorda...
       - Não, Daniel, deixa a mamãe dormir mais um pouquinho...
       - Mãe, a televisão está sem som. Como eu vou jogar videogame?
       - Pede pro papai, filho.
     Daniel sai do quarto, aguarda alguns minutos e volta:
       - Mãe, acorda... Eu estou com muita fome.
       - Tá bom, Daniel. Mamãe vai fazer lanche pra você. Vamos lá.
       - Vamos.
       - Quer comer o que? Pode ser pão e leitinho com Nescau?
       - Pode...
       - Tá bom.
       - O, mãe...
       - Oi?
       - Aproveita que você já levantou pra fazer o meu lanche e arruma o som da televisão porque está sem som e eu preciso muito jogar videogame.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Catapócia

       - Quer janta, Dani?
       - Não, quero pão com ovo!
       - E queijo?
       - Muito queijo... Pode exagerar.
       - Tá, vou exagerar. E essa carinha aí, o que foi?
       - Estou triste, Bruna...
       - Por que, Dani?
       - A novela acabou, Bruna, agora eu vou ter que ir para a Turquia ver a Morena, ir no Brasil pegar a Lucimar e levar as duas para a Catapócia andar de balão comigo.
       - E o Théo?
       - O Théo não, o Théo está trabalhando.
       - E você é pouco esperto, né? Quer ir só com as duas andar de balão.
       - Claro, né, Bruna, não sou besta.
       - Tá bom de queijo?
       - Não, pode por mais.
       - E agora?
       - Mais.
       - Chega?
       - Mais, Bruna.
       - Daniel, você quer pão com ovo ou pão com queijo?
       - Pão com ovo. E pão com queijo. Pão com muito ovo e muito queijo.
       - Seu safado.
       - Bruna, a Morena gosta de pão com ovo também. Vou levar para ela.
       - Arram. Levar para a Catapócia.
       - Isso. Mas antes vamos no Brasil buscar a Lucimar.
       - Ok, entendi. Turquia, Brasil e Catapócia!
       - Isso! Andar de balão!
       - Tá. Mas desde quando você gosta de balão?
       - Sempre gostei.
       - Sempre? Sempre quando?
       - Sempre, Bruna!
       - E a minha tatuagem de balão?
       - O que?
       - Você disse que não tinha gostado.
       - Disse. Mas agora eu gosto.
       - Arram. Mas você tentou arrancar.
       - Tentei. Faz tempo. Agora eu gosto e vou mostrar pra Morena o balão para ela ficar empolgada.
       - Empolgada?
       - Empolgada para ir andar de balão comigo na Catapócia.
       - Arram, seu esperto, você tentou arrancar minha tatuagem, disse que era feia, agora gosta e quer usá-la para fazer a Morena andar de balão com você?
       - Sim.
       - E isso é certo?
       - Lógico que é.
       - Mas você tentou arrancar meu balão!
       - É... Eu tentei, né, mas não consegui, agora vou voar nele com a Morena...

terça-feira, 30 de abril de 2013

Sem culpa.

       - Cadê os povo?
       - Os povo foi pescar, Daniel. Você já sabe disso.
       - E eu?
       - Você ficou.
       - Isso eu sei, né, Bruna, mas e eu?
       - Uai, você ficou, Dani. Ficou comigo e com a mamãe.
       - Nãããããããããããão, Bruna, não é isso... E eu?
       - Uai, Dani, não estou entendendo. O que você quer saber?
       - Quero saber de mim, Bruna, você não ouviu?
       - Ouvi, Dani, mas não entendi o que você quer que eu responda.
       - Ai ai, Bruna... Os povo foi pescar, né?
       - Né.
       - E eu?
       - E você ficou?
       - Isso... Fiquei.
       - Tá, e aí?
       - O que Bruna?
       - O que tem você ter ficado?
       - Fiquei e não fui pescar, né?
       - Isso.
       - Então não tenho culpa disso.
       - Não tem culpa disso... Disso o que, menino?
       - De quando o meu pai voltar ficar bravo.
       - Bravo por que?
       - Porque nada...
       - Como assim nada? O que o senhor fez?
       - Nada de mais, Bruna.
       - Tá. Nada de mais... Mas o que foi?
       -  Os povo foi pescar, eu fiquei e a mamãe está na Mimos.
       - Isso mesmo.
       - Então não tenho culpa.
       - Culpa de que?
       - Não tenho culpa, Bruna...
       - Tudo bem, não tem culpa de que?
       - De nada, porque eu não tenho...
       - Tá bom, entendi. Qual culpa não é sua, Dani?
       - A culpa de tirar a roupa suja desse balde aqui, ó, e encher ele com todas as besteirinhas que eu roubei da geladeira e da despensa quando você estava tomando banho. Só falta eu achar o pote de dinheiros para a verdura que a Ana escondeu e a gente compra suco de latinha e come vendo a Morena!

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Aniversário parte dois - a câmera

       Daniel ganhou presentes muito legais. Eu e o Vítor demos uma câmera fotográfica para ele. É uma câmera de verdade, porém para crianças. Emborrachada, protegida, resistente e forte. Bem forte. É assim que deve ser. Daniel adora fotografar! A tal câmera é a imagem que mais temos visto ultimamente. Não há uma só situação que ele não queira registrar. Mal dá tempo de abrirmos os olhos e lá está ele, fotografando novamente! Isso me lembra uma vez que eu morri de rir com o Daniel por causa de uma câmera.
       Estávamos no rancho, já no dia de voltar para casa, arrumando as coisas em caixas e limpando tudo. Dani estava passeando por todo o local e registrando cada coisa bonita que encontrava pelo caminho. É muito interessante ver as fotos que ele tira, porque é como ter uma visão de como ele enxerga o mundo. Ele clica todo o tempo, então podemos facilmente saber qual o seu trajeto e quais os pontos para os quais olhou enquanto andava. Mas, nesse dia, ele voltou com a roupa toda suja de terra.
       - Daniel, você caiu?
       - Caí não, Bruna...
       - E essa roupa suja, Dan? Deixa eu levantar o short e ver seu joelho.
       - Não, eu não caí, Bruna. Só estou passeando. 
       - Tudo bem, mas deixe eu ver essa perna aqui.
       - Não. Vou ali ajudar a tia Neuza com a comida. 
       E deixou a câmera em cima das caixas. Eu e o Vítor a pegamos e começamos a ver as fotos. Era inacreditável. O céu, várias flores, a cerca, as pedras, o carro, a porta, a mão na maçaneta, a porta aberta, eu e o Vítor guardando as comidas na caixa, nossas cabeças, a porta, a porta sendo fechada, a maçaneta, o chão, o chão, o chão, a tia Neuza, a panela, a comida, a tia Neuza de novo, a cerca, o chão, o chão, o chão, a árvore, o céu, o céu, o céu, o céu, de repente um borrão, uma poça de lama bem de perto, as pernas esticadas no chão, os pés sujos de barro, o dedão do pé ralado, a canela suja, o joelho com o short em cima, as mãos puxando o short, o joelho todo ralado, a coxa ralada com o short pela metade, o short sendo puxado um pouco mais, a coxa esfolada até lá em cima, a poça de lama, a mão no chão fazendo força, a cerca, a árvore, o carro, a porta, a mão na maçaneta, a porta aberta, eu e o Vítor guardando as comidas na caixa... 
       Peguei a câmera e fui até ele. 
       - Daniel, você caiu?
       - Caí não.
       - Caiu que eu sei, Dani. Deixa eu ver. 
       - Não caí, Bruna!
       - Dani, deixa eu te mostrar essas fotos aqui.
       - Ixi, Bruna. Teve jeito não. Você me descobriu, ein?
       - Descobri, Daniel, você caiu feio.
       - É verdade, eu caí tirando foto, mas você viu? Eu sou frotrógafo!


quinta-feira, 11 de abril de 2013

Aniversário parte um - o bolo e o Chiquinho.

       Daniel fez aniversário no dia trinta e, como foi feriado na sexta anterior, estávamos no rancho. Para quem não sabe, o rancho é o lugar onde acampamos onze de dez feriados existentes. Estávamos no rancho e, como toda boa criança, Daniel queria festa de aniversário com "risólio" e coxinha. Eu o convenci de que não era possível fazer "risólio" ou coxinha com os poucos recursos oferecidos pela Serra da Mesa e ele aceitou a situação quando eu lhe disse que faria bolo sabor prestígio e cachorro quente com molho feito no liquidificador. Daniel só gosta de cachorro quente com molho batido no liquidificador, ele diz que é mais lisinho. 
       Passei a tarde fazendo aquele negócio enquanto todos pescavam no lago. Uma trabalheira danada. No final da tarde, o Dani veio correndo, deu-me um abraço mais do que delicioso como quem sentiu saudades a tarde inteira, olhou para mim e disse "E aí, meu bolo está pronto?". Estava, né, claro que estava. Mas custava dar um beijinho e dizer só "Eu te amo! Senti sua falta... Agora me diga cadê o meu bolo?". 
       Ele me contou sobre a pescaria, contou sobre os peixes que não pegou, sobre o sol, sobre o Vítor ser o campeão de pesca, sobre o Chiquinho (peixinho do tamanho de uma unha que ele ganhou do Vítor após o coitado ter enroscado-se na camisa dele), sobre minha mãe só pegar tocos, sobre meu pai ser bom pescador e, no intervalo de uma coisa e outra, ele sempre dava um jeito de encaixar o bendito do bolo no assunto. 
       - Meu pai pesca muito! Vai ser bom comer os peixes que ele e o Vítor pegaram, né, Bruna?
       - Né, Daniel, agora levanta o braço para lavar esse sovaco aí!
       - Mas quando come tem que ter sobremesa, né, Bruna?
       - Né, Dani, agora o outro braço. 
       - E a sobremesa pode ser meu bolo, né, Bruna? Onde ele está mesmo?
      Depois de incontáveis escapadas no assunto para falar do bolo, ele finalmente viu o bolo. Adorou! Arrumei a mesa com o bolo, os pratos, copos, sucos,  refrigerantes, cachorro-quente, pães, milho e ervilha, Eduardo, Michele, Chiquinho, guardanapos e uma caixa de chocolates. Tudo junto mesmo. Cantamos parabéns e fomos, finalmente, comer o bolo. 
       Daniel adorou, comeu vários pedaços e falou inúmeras vezes que estava muito gostoso. Antes de dormir, já dentro da barraca, porém, ele me disse:
     - Ô, Bruna.
     - Oi, Dani.
     - O bolo estava muito gostoso.
     - Que bom que gostou, fiz com carinho.
     - Obrigado.
     - De nada.
     - Mas ô, Bruna...
     - Que, Dani?
     - Você não colocou vela. Bolo de aniversário precisa ter vela. Sem vela, não é bolo de aniversário. Você vai ter que fazer outro amanhã para mim.

     

quarta-feira, 27 de março de 2013

Chicrete

       Cheguei em casa e o Daniel estava na porta me esperando. Eu e o Vítor descemos do carro e ele veio pulando e correndo todo feliz. Achei que era por me ver, mas ele tratou logo de abraçar o Vítor - como sempre.
       - Olha, Dani, fiz minha tatuagem!
       Ele só parou para me dar atenção na segunda, quando o Vítor não estava mais por perto.
       - Olha, Dani, fiz minha tatuagem!
       - Hm. Deixa eu ver.
       - Daniel do céu, não pega não, homem! Dói! Vê com os olhos.
       - O que é isso mesmo?
       - Um balão!
       - Balão de encher?
       - Não, balão de voar.
       - Acho que eu não gostei não, Bruna.
       - Não?
       - Não, muito feio isso aí.
       - Poxa, mas é vermelho. Sua cor preferida. 
       - É sim.
       - E mesmo assim você não gostou?
       - Gostei não.
       - Por que?
       - Não dá para tirar?
       - Dá não, Dani. Agora já era. Eu gostei tanto, tem certeza de que você achou feia? Não quer ver direito não?
       - Quero não, mas deixa eu ver direito.
       - DANIEL, TIRA ESSE SEU DEDÃO DAÍ! VÊ COM OS OLHOS!
       - Precisa gritar?
       - Uai. Você não ouve. E isso dói, sabia?
       - Dói nada. Mentira sua. Eu já fiz tatuagem e nem doeu.
       - Doeu não? E que tatuagem foi essa que você fez e eu não estou sabendo?
       - Dã... De chicrete, né, Bruna?
       - A! Claro... De "chicrete". Essa não dói mesmo não.
       - Vou fazer outra tatuagem de chicrete. Se ficar feia igual a sua, eu tiro.
       - Tira? Tira como?
       - Com a unha, ué. Arranha assim ó.
       - Só fala, Dani, não precisa me mostrar!
       - Tá. Assim, ó! (arranhando o ar)
       - Hm, entendi. É, assim ela sai mesmo.
       - Vamos tirar a sua?
       - Não dá, Dani. Essa foi feita com agulha.
       - Agulha? E tinha chicrete na agulha?
       - Tinha chiclete não, tinha tinta....
       - Então dá para tirar, Bruna!
       - Dá não, Dani.
       - Dá sim! Eu sei fazer. Já aprendi!
       - Aprendeu? Como é?
       - Fácil! Igual eu tiro a de chicrete, olha!
       - DANIEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEL, NÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃO!



quarta-feira, 20 de março de 2013

Zoo

    Ano passado a minha mãe decidiu que aprenderia a costurar. Sabendo ou não sabendo dominar aquela "coisa", que ela chama de máquina de costura, mamãe disse que faria novas fronhas de travesseiro para mim e para o Dani.
      - Vou comprar um tecido de vaquinhas para a Bu e um de futebol para você, Dan.
      - Tá doida, mãe? Não quero fronha de futebol não. É feio!
      - Por que não, filho? Você não gosta de futebol?
      - Gosto, né, mãe, mas eu quero uma fronha de flor.
      - Mas de flor, filho? Você não acha que flor é de menina não?
      - Lógico que não, mãe! Tá doida? Coisa de menina. Não é coisa de menina não! Flor é jardim, mãe! Você não sabe? Jardim. Eu quero dormir em um jardim.
      E ele dorme mesmo. Daniel sempre foi poético.

    Além de a fronha, o lençol e o edredom serem de flores (detalhe que vocês podem também observar no layout desse blog), ele dorme com uma infinidade de amigos que só se encontraria em um jardim. O quarto do Dani é cheio de bichos. Todos têm todos seus respectivos pares - Daniel acha importante cada brinquedo ter seu companheiro(a) para que não se sinta sozinho - e recebem nomes especiais.
     Não tenho como citar todos, mas alguns dos mais importantes são o Tico e a Tica, um casal de golfinhos de pelúcia que, para o Daniel, são passarinhos e botam ovos - e vai tentar dizer que o rabo deles não é de fato um par de asas para ver o que é bom! Uma semana com os dois golfinhos bicando nossa cabeça durante a noite.
     Tem a Meg e seu marido Tonico, ambos são dálmatas, mas o Dani insisti em tratá-los como dois filas muito bravos. A Meg já está na segunda versão, é mais velha que eu e, infelizmente, a primeira versão resistiu bem somente durante os primeiros 17 anos de existência. Acabou sofrendo algo como uma desmaterialização no 18º e 19º. Ela tem tanta vida própria que, muitas vezes, todos nós nos pegamos conversando com ela e com seu marido, alimentando-os, dando presentinhos, levando mordidas e dando broncas.
     O Eduardo e a Michele são partes constantes dos nossos dias, um casal muito distinto de uma Barbie ruiva e o senhor Max Steel vestido com um terno e chapéu de cowboy. Eduardo é policial, vaqueiro, motorista, cantor e cozinheiro. Quase tantas profissões quanto o Dani. Eles têm mais ou menos uns doze filhos e filhas, todos com vozes um tanto quanto agudas e irritantes, Daniel alcança um agudo incrível, estilo Cindy Lauper. Eduardo e Michele são, verdadeiramente, integrantes da família. Vira e mexe o casal, sua penca de filhos, eu e o Daniel fazemos festas de arromba em meu quarto com muita música, luzes e comida furtadas da geladeira quando mamãe não estava olhando. 
      Há um casal de salsichas, Safira e Bily, que latem muito e não gostam que a gente encoste em seus rabos. Inicialmente, a mamãe comprou um salsicha de pelúcia apenas, isso foi em uma vez que fomos ao cinema com o Dan e ele se recusou a entender que no cinema, por mais que ele peça, não vão acender as luzes. Ele ficou bravo, quis largar o filme e ir lanchar. Depois de lanchar, foi à loja de brinquedos e se apaixonou pelo salsicha. Ele agarrou dois, um em cada braço, e insistiu para que a mamãe não separasse os dois amantes. Ela tentou convencê-lo (obviamente, sem sucesso) de que não tinha dinheiro para levar os dois e, então, comprou só um. Daniel falou sobre a fêmea abandonada na loja de brinquedos e de todos os perigos que ela corria sem seu marido por perto até que nós, emocionados (ou de saco cheio), praticamente quiséssemos comprar todo o estoque de salsichas da loja. 
     Há um casal de pássaros que, de fato, são pássaros e não, golfinhos. Novamente, minha mãe cometeu o erro de comprar apenas um, por quem o Dani se apaixonou. Minha avó foi a responsável escolhida educadamente - por trezentas ligações melodramáticas do Daniel - para encontrar a esposa do senhor passarinho de cujo nome não me lembro. Pode parecer fácil encontrar a fêmea para aquele macho abandonado, mas o Daniel é um tanto exigente. A fêmea tem que ser parecida, mas não pode ser igual. Ele encontra diferenças na costura, na altura dos olhos, em uma manchinha minúscula de sujeira e, se os dois brinquedos forem exatamente iguais, ele pega o pincel atômico escondido e faz com que se tornem, minimamente, diferentes. Vovó, porém, não achou a tal fêmea. Nem igual, nem diferente. Comprou um pinguim muito parecido com o formato do pássaro solitário, tendo esperanças de que o Dani não iria perceber. 
       - Legal esse passarinho, vó, mas ele é diferente, né?
       - O, meu filho, é não... É diferente porque é a fêmea.
       - Engraçado, vó. Não parece a fêmea.
       - Não, meu grandão?
       - Não, vó... Isso aqui parece um pinguim. A senhora comprou errado. Agora tem que trazer a fêmea do meu passarinho e um macho para esse pinguim aqui. 
     

Brog.

       - Daniel, deixa eu te contar uma coisa.
       - O que?
       - Eu fiz um blog para você.
       - Que que é "bog"?
       - Bog não, Dan, blog.
       - Brog.
       - Não. BLLLLLLLLOG, com L.
       - BRLORGUE.
       - Isso, blog. Fiz um blog para você.
       - Que que é bog?
       - Ai ai. Blog. É um lugar onde eu vou contar as suas histórias para as pessoas.
       - A! Já sei, Bruna! Ficibook!
       - Criatura de Deus, você por acaso sabe o que é Facebook?
       - Sei! É internet.
       - Internet. Tá. E aí?
       - Uai. Internet, Bruna, conversar com as gatinhas...
       - Daniel, toma vergonha nessa cara e presta atenção no que eu estou dizendo.
       - Hm.
       - Você quer que eu conte as suas histórias para as pessoas?
       - Quero sim.
       - Quer mesmo?
       - Eu não já falei que quero?
       - Precisa ser grosso com a Bubu?
       - (sorriso maravilhoso) Empolguei, né?
       - Empolgou demais.
       - (gargalhada) Hoje eu estou terrível, né, Bruna?
       - Você É terrível, Daniel. Então, vou contar suas histórias para as pessoas. O que você acha?
       - Acho que elas vão rir de mim. Eu sou muito engraçado, Bruna. Vai ter foto minha?
       - A vão? Foto? Pra que foto?
       - Claro! Foto sim. Porque eu sou muito bonito também. Esqueceu que eu sou um artista?
       - Artista, né? Para mim você é um metido, isso sim!
       - O Brunaaa...
       - Oi.
       - Eu tive uma ideia! Enquanto você faz o bóg, vamos assaltar a geladeira antes que a Ana volte do sacolão? Só não pode tirar foto agora pra mamãe não ver.

     

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Charme especial

     Daniel tem um charme especial para conseguir as coisas. Ele ama ir para a casa da minha avó, não aceita muito bem os finais de semana em que não vai. Quando isso acontece, ele dá um jeito de fazer a vovó e tia Zana mudarem de ideia e buscarem-no em casa. Uma vez, ele ligou para a minha avó dizendo que estava passando fome e sem banho há dois dias. Disse que o pé dele estava grudando de sujeira e que, se ela não o buscasse imediatamente, acabaria parando no hospital de tão doente que ficaria. Ele até chorou. Em quinze minutos, lá estava o carro da vovó em frente a nossa casa. Dentro dele havia um bolo, pão de queijo, caixas de suco, pamonha, duas caixas de ovos (Daniel adora ovos), sanduíches de microondas, miojo, arroz, feijão e farinha (Daniel também gosta de comida pesada), pizza congelada, uma caixa de chocolates e outra de salgadinhos. Na segunda tentativa, não funcionou muito bem, então ele mudou a tática. 
      (...)
       - Aí, Dan, com essa minha câmera eu vou poder tirar muitas fotos suas. O que você acha?
       - Muito legal, tia Zana!
       - E vamos colocá-las no computador e mostrar para todo mundo!
       - Show, tia!
       - Eu vou ser a sua empresária, porque você é artista, né?
       - Sou artista mesmo, tia, faço shows todos os dias...
       - Eu sei disso, meu parceiro, sei disso... Fez show hoje?
       - Não, hoje ainda não, mas vou fazer.
     - Legal, meu sobrinho. Então, a gente vai poder tirar foto com boina, sem boina, com sapato, de bermuda, nadando na piscina, almoçando. Tudo!
       - De tudo, né, tia?
       - De tudo, meu garotão!
       - Pois é, tia, muito legal isso tudo... Mas você não está esquecendo nada não?
       - Não, Dani... Estou?
       - Sim, tia, está.
       - O que?
       - Para a gente tirar esse monte de fotos, você precisa buscar o artista e levar para passar o final de semana aí, né?

      E, novamente, em vinte minutos lá estavam elas.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Más ideias...

       É só no Domingo que eu e Daniel ficamos juntos durante todo o dia. Um Domingo desses, eu e meu namorado resolvemos levar o Dani para sair. Fomos lanchar no shopping.
       - Moça, eu quero aquele ali, o número 1.
       - Opção double cheddar ou salada?
       - Cheddar por favor.
       - Qual será a bebida?
       - Daniel... Milk shake, suco ou refrigerante?
       - Milk shake!
       - Milk por favor.
      Escolhi o mesmo sanduíche e a mesma bebida para nós três, ansiosa e contente, querendo que a vida fosse bela com todos os seres-humanos sendo intimados a provarem aquela maravilha deliciosa. Para que lembrar do fato de que tinha cheddar e de que a comida estava quente?
       Comi como se fosse o fim do mundo, como se o amanhã não mais fosse chegar. Eu me esqueci do mundo a minha volta e apenas senti aquele maravilhoso sabor adentrando o meu paladar... Até que algo me trouxe de volta. Uma voz vinda do além ou de algum lugar por lá. Ela dizia "Eu preciso de um guardanapo, Bruna!". Olhei para o ser que proferiu essas palavras e ele estava laranja.
       O cheddar escorria por entre seus dedos quase como uma serpente gigante dançando em volta de longas árvores. A boca, enquanto fechada, parecia uma caixa de presentes bem enfeitada e com direito a um laço cor de abóbora envolvendo o que tinha por dentro. Ele sorriu. Foi como se todos os dentes tivessem sido cuidadosamente agasalhados para uma longa temporada de inverno.
     Eu devo dizer, estava suja também, mas o Daniel parecia ter mergulhado em uma piscina de queijo derretido. E ele estava achando aquilo tudo o máximo. Claro que estava. Acreditei que seria uma boa ideia pedir que ele tomasse o milk shake para irmos logo ao banheiro lavar aquele carnaval alaranjado. Mas o milk shake não passava pelo canudo. Foi quando eu percebi que a festa tinha apenas começado.
      O Daniel puxava o líquido com toda a força que seus lábios carnudos tinham, mas aconteceu somente o contrário do que nós três esperávamos. O milk shake não subiu, mas o cheddar - vejam só -, o cheddar começou a descer... Daniel não desistiu até que seu copo estivesse devidamente amassado por suas últimas sugadas. Vocês não podem imaginar a sujeira. 
      Com toda a dificuldade imposta pelo milk shake, eu me esqueci do cheddar. O cheddar, vocês devem saber, seca. Quando o cheddar seca, fede. E, quando fede, não sai mais. 
       Não sei calcular quanto sabão eu usei naqueles dedos compridos, mas me lembro de achar que era o suficiente. Até deixei um pouco de espuma, sabe? Só para garantir.
      Fomos, então, andando até o carro, enquanto o Daniel ria e contava (mais de uma vez) para o Vítor a aventura alaranjada que ele já conhecia, afinal estava lá. Eu estava abrindo a porta quando meus balões cor de rosa da tranquilidade foram brutalmente estourados. O Vítor me perguntou:
       - Amor, tem certeza de que você lavou direito as mãos do Dan Dan?
       - Lavei, ué, por que?
      E ele disse as palavras que mudariam nosso estado de espírito, foi algo próximo de:
       - Porque parece que ele pegou em cocô.
    Minha casa fica a quarenta minutos do shopping e os vidros do meu carro não abrem muto. Tivemos a companhia daquele péssimo odor de cheddar por todo o trajeto. Nunca valorizei tanto um ar fresco que eu pudesse inspirar sem morrer. O Daniel ria. Eu tenho certeza de que ele também não aguentava aquelas mãos tingidas sem solução. Mas para que admitir? Passá-las no cabelo da irmã é  bem mais divertido.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Vermelho, cor do amor.

    Eu sei que vermelho é "cheguei" demais, mas vermelho é a cor preferida do Daniel. Se ele conseguisse ler esse blog, certamente exigiria que eu colocasse vermelho em... Tudo. Tudo e ainda mais. O quarto do Daniel é vermelho, as camisas preferidas dele também são e, ano passado, eu lhe dei um All Star vermelho caríssimo - que o sem vergonha nem usa porque está agora com mania de usar sapato social para ir até à padaria.
      Sempre que lhe perguntamos o porquê de gostar tanto de vermelho, a resposta é simples:
      - Ué, porque vermelho é a cor do amor né, Bruna, lógico.
    "Lógico". O Daniel fala "lógico" como se todas as verdades fossem inteiramente, totalmente e particularmente dele. E elas são. A verdade, o sorriso mais bonito e verdadeiro, a voz rachada igual a do Bruno do Bruno e Marrone (Daniel é fã de Bruno e Marrone), o charme de artista (Daniel é artista e faz shows na sala de televisão imitando - e chegando bem perto, eu devo dizer - tudo o que vê no DVD da dupla), a escolha do que será o lanche do dia, o canal da televisão, a roupa com a qual eu vou para a faculdade, a roupa com a qual eu vou para o trabalho, a roupa com a qual qualquer um vai para qualquer lugar. O mundo inteiro pertence a ele. Se ele tem seu próprio mundo, a quem mais poderia pertencer? 
       Daniel é meu irmão. Cinco anos mais velho que eu por fora e cerca de dez ou quinze mais novo por dentro. Ele não tem nenhuma das síndromes conhecidas, não tem autismo ou deficiência física. Dani tem algo como um pouco de cada uma dessas coisas devido a uma "não-oxigenação" do cérebro pouco depois de nascer. Ele fará vinte e quatro anos este ano, mas sua mentalidade (como de todas as crianças especiais) é de uma criança. Às vezes, ele parece ter dez, quinze, doze, setenta, cem anos... 
         Ele é uma caixinha de surpresas.
      Não se sabe o que esperar do Daniel nunca. E esse é o maior presente que alguém poderia ganhar na vida. Ele faz com que os dias de quem convive com ele sejam únicos, mesmo aqueles dias mais monótonos e cansativos. 
      Mas o Daniel, às vezes, é irritante. 
      Eu também sou. 
     Nós nos irritamos juntos, rimos juntos, brigamos juntos (e separados, de vez em quando, também), comemos juntos e, nos finais de semana, ele exige que eu o convide de forma requintada para dormir em meu quarto. Mas faz charme para aceitar.
       - É... Tá bom... Eu aceito dormir lá, tá bom assim? Talvez eu ainda tenha que pensar no seu caso um pouco, mas, se der, eu durmo lá.
      Safado. 
      Cada dia é uma nova experiência com ele e, com isso, cada dia uma nova história.
     O Daniel me fez o ser-humano que eu sou hoje e me mostrou, à maneira dele, que o mundo inteiro deveria ter metade do que ele tem para que comece a se ajeitar.
     Não conhecemos o mundo inteiro, sei disso, mas cada par de olhos que ler os textos sobre o encanto que é o meu irmão já será uma parte dele que passaremos a conhecer. E que passará a conhecer o Daniel.
      Quem sabe assim não se contagiem com o vermelho do amor sobre o qual ele tanto fala.